Notas sobre o brincar
por Fabrícia Eliane
Algumas pessoas me perguntam como se brinca com crianças, algo que confesso, de inicio eu achava uma questão estranha. Porém, tenho pensado sobre o assunto e cheguei a algumas “questões-respostas”.
Na Idade Média (o quadro de Pieter Bruegel- “ Jogos infantis”- não nos deixa mentir) podemos observar que os jogos não eram do domínio somente das crianças. Os adultos brincavam junto com elas. Porém, neste mesmo período não temos ainda uma construção social do que é a infância. E este fato gerou inúmeras questões e problemas para as crianças: elas não somente brincavam junto com os adultos, elas participavam em tudo da vida social. Começavam a trabalhar muito cedo e não eram protegidas de questões violentas ou de ordem sexual, muito pelo contrário! O nascimento do conceito de infância no final da Idade Média e início da Idade Moderna foi o que trouxe as bases para que a infância fosse protegida e que os “segredos” dos adultos fossem desvelados aos poucos, conforme a faixa etária.
Esse processo todo nasce junto com a tipografia e assim, houve uma divisão entre letrados (adultos) e não letrados (crianças). As crianças entravam no mundo letrado por volta dos sete anos e só quando tivessem concluído seu processo de letramento (não só de alfabetização!), estariam também começando a adentrar o mundo dos adultos.
Não vou entrar em detalhes aqui acerca dos problemas que o capitalismo também causou em relação a infância, mas é importante ao menos citar o quanto a sociedade consumista vêm já há algum tempo produzindo adultos em miniatura, quando incitam através de vários produtos e da indústria cultura,l a sexualização precoce e a violência. Sem contar que as crianças das classes mais pobres têm muitas vezes que começar a trabalhar ainda crianças, cuidam dos irmãos menores para que seus responsáveis saiam para trabalhar e não têm seus direitos à infância assegurados.
Mas o ponto onde eu pretendia chegar quando iniciei esta reflexão foi um ponto que tinha algo que me parecia significativo e que se perdeu com a criação da infância: ao criar a infância, criou-se também o adulto. E a esse adulto foi praticamente excluído o direito ao brincar junto com as crianças. Ao adulto foi reservado o mundo “sério”, o mundo do trabalho, e às crianças, o direito ao ócio. Como se o ócio, entendido aqui como manifestações de caráter lúdico, fosse algo de menor importância. E assim como as crianças, os educadores de crianças e as pessoas que dedicam sua arte à infância são vistos pela ampla maioria da sociedade como de menor importância (exemplifico aqui os salários dos professores de educação infantil que são inferiores aos demais profissionais da educação).
Aos adultos, o direito ao ócio ficou reservado ao período de férias e a aposentadoria, de modo geral.
Porém, como brinquedista e artista-educadora de crianças, lanço justamente a problemática de que o direito de brincar das crianças (garantido pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente) só pode ser vivido em sua plenitude se esse direito ao jogo e ao ócio, for assegurado aos adultos responsáveis por ela. E é aí que penso que se encontra o cerne das questão quando adultos (mães na maioria dos casos) me procuram perguntando como fazem para brincar, pois não sabem. E para mim durante algum tempo essa questão era estranha: A gente senta no chão e brinca! Pensava eu. Mas isso não é um processo natural para muitas pessoas. E se não é, creio que a resposta esteja nessas dicotomias que precisamos ir aĺém: adulto-criança, trabalho-jogo.
Quando o adulto encontrar o espaço da criança dentro de si mesmo, essas dicotomias, acredito, poderão ser minimizadas. O adulto precisa retomar um direito ao brincar que a sociedade moderna e o capitalismo lhe tiraram.
Afinal, “adulto não é aquele que sufoca a sua infância, mas é o poeta da infância redescoberta.” (Duborgel, citado pela querida Nylse Cunha em O direito de brincar)